“O passado é um país estrangeiro”, disse o historiador Peter Burke. E, ao que nos parece, um país estrangeiro extremamente opressor nas leis e nos costumes, em que todo mundo era puritano e vivia reprimido, a arte era censurada em nome da moral pública, e em suma, tudo que era bom era proibido (e tudo que era proibido era bom). Hoje lembramos com alívio e uma ponta de escárnio dos meados do século XX, quando Elvis só podia ser mostrado na televisão da cintura pra cima, as mulheres só podiam ir à praia com aqueles maiôs ridículos que cobriam quase o corpo todo, e nos filmes era proibido – dentre inúmeras outras restrições – até os atores falarem palavrão, tanto que até mesmo a frase “Frankly, my dear, I don’t give a damn” (“francamente, minha cara, eu não dou a mínima”) foi complicada de incluir no roteiro de E O Vento Levou.1
No Brasil, como já ouvimos ad nauseam nas aulas de história, a tacanha censura do regime militar bania tudo que era julgado subversivo ou imoral, e quando uma obra suspeita não era proibida inteiramente, exigiam que o material fosse amputado: Em um caso emblemático, já no finalzinho do período, em 1982, a censura federal obrigou uma gravadora a arranhar as duas últimas faixas de um disco para que pudesse ser vendido, faixas consideradas muito subversivas, perigo à ordem pública. Os filmes frequentemente saíam picotados para excluir tudo aquilo que fosse considerado demais para a cabeça do público. Laranja Mecânica só foi exibido em cinemas brasileiros anos depois de sua estreia na Inglaterra, e com bolas pretas inseridas na película em certas cenas, para cobrir certos detalhes anatômicos dos atores. E na própria Inglaterra, Laranja Mecânica continuou banido dos cinemas e videolocadoras até 1999, mas isto também foi por desejo do próprio Kubrick, que até recebeu ameaças de morte por seu filme…
Naturalmente que, apesar destes factoides serem verídicos, esta visão – meio idílica meio distópica – do passado construída a partir deles é enviesada e pouco realista… Mas o que eu me pergunto hoje, em meu vigésimo nono aniversário, já sentindo um certo estranhamento quanto ao mundo moderno e suas taras, é se os jovens do futuro não farão o mesmo tipo de julgamento quanto à sociedade de hoje. Na média, estamos mais livres?
Imagino um diálogo em 2050 de um avô com seu netinho, que eu provavelmente não estarei vivo para presenciar. (ainda bem?)